segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009



Esposos e esposas rezemos juntos:

“Senhor, não Te peço que afaste a tormenta ou resolvas meus problemas, não te peço que mudes as circunstancias que me cabem viver. Peço-Te apenas que me concedas a graça de caminhar por sobre elas sem afundar-me na desalento e na auto-compaixão, para não me afogar no fracasso e na dor. Ajuda-me a não afastar meus olhos de Ti, para lembrar sempre que tudo posso no Cristo que me fortalece”

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

O testemunho de Rebecca Kiessling

Eu fui adotada assim que nasci. Aos 18 anos soube que fui concebida a partir de um estupro brutal sob ameaça de faca por um estuprador em série. Assim como a maior parte das pessoas, eu nunca pensei que o assunto aborto estivesse relacionado à minha vida, mas assim que recebi esta notícia percebi que não só está relacionado à minha vida, mas está ligado à minha própria existência. Era como se eu pudesse ouvir os ecos de todas as pessoas que, da forma mais simpática possível, dizem: “Bem, exceto nos caso de estupro...” ou que dizem com veemência e repulsa: “Especialmente nos casos de estupro!!!”. Existem muitas pessoas assim por aí. Elas sequer me conhecem, mas julgam a minha vida e tão prontamente a descartam só pela forma como fui concebida. Eu senti como se a partir daquele momento tivesse que justificar minha própria existência, tivesse que provar ao mundo que não deveria ter sido abortada e que eu era digna de viver. Também me lembro de me sentir como lixo por causa das pessoas que diziam que minha vida era um lixo, que eu era descartável.
Por favor, entenda que quando você se declara “a favor do direito de decidir” ou quando abre a exceção para o estupro, o que isso realmente significa é que você pode olhar nos meus olhos e me dizer “eu acho que sua mãe deveria ter tido a opção de abortar você”. Esta é uma afirmação muito forte. Jamais diria a alguém: “Se eu tivesse tido a chance, você estaria morta agora”. Mas essa é a realidade com a qual eu vivo. Desafio qualquer um a dizer que não é. Não é como se as pessoas dissessem: “Bom, eu sou a favor da livre escolha, menos naquela pequena fresta de oportunidade em 1968/69, para que você, Rebecca, pudesse ter nascido”. Não. Esta é a realidade mais cruel desse tipo de opinião e eu posso afirmar que isso machuca e que é uma maldade. Mas sei que muita gente não quer se comprometer sobre esse assunto. Para eles, é apenas um conceito, um clichê que eles varrem para debaixo do tapete e esquecem. Eu realmente espero que, como filha de um estupro, eu possa ajudar a dar um rosto e uma voz a esta questão.
Diversas vezes me deparei com pessoas que me confrontaram e tentaram se desvencilhar dizendo coisas do tipo: “Bem, você teve sorte!”. Tenha certeza de que minha sobrevivência não tem nada a ver com sorte. O fato de eu estar viva hoje tem a ver com as escolhas feitas pela nossa sociedade: pessoas que lutaram para que o aborto fosse ilegal em Michigan naquela época -- mesmo em casos de estupro --, pessoas que brigaram para proteger a minha vida e pessoas que votaram a favor da vida. Eu não tive sorte. Fui protegida. E vocês realmente acham que nossos irmãos e irmãs que estão sendo abortados todos os dias simplesmente são “azarados”?
Apesar de minha mãe biológica ter ficado feliz em me conhecer, ela me contou que foi a duas clínicas de aborto clandestinas e que eu quase fui abortada. Depois do estupro, a polícia indicou um conselheiro que simplesmente disse a ela que a melhor opção era abortar. Minha mãe biológica disse que naquela época não havia centros de apoio a grávidas em risco, mas me garantiu que, se houvesse, ela teria ido até lá pelo menos para receber um pouco mais de orientação. O conselheiro foi quem estabeleceu o contato entre ela e os aborteiros clandestinos. Ela disse que a clínica tinha a típica aparência de fundo de quintal, como a gente escuta por aí, e lá “ela poderia ter me abortado de forma segura e legal”: sangue e sujeira na mesa e por todo o chão. Essas condições precárias e o fato de ser ilegal levaram-na a recuar, como acontece com a maioria das mulheres.
Depois ela entrou em contato com um aborteiro mais caro. Desta vez, se encontraria com alguém à noite no Instituto de Arte de Detroit. Alguém iria se aproximar dela, dizer seu nome, vendá-la, colocá-la no banco de trás de um carro, levá-la e então me abortar... Depois vendá-la novamente e levá-la de volta. E sabe o que eu acho mais lamentável? É que eu sei que existe um monte de gente por aí que me ouviria contar esses detalhes e que responderia com uma balançada de cabeça em desaprovação: “Seria terrível que sua mãe biológica tivesse tido que passar por tudo isso para conseguir abortar você!”. Isso é compaixão?!!! Eu entendo que eles pensem que estão sendo compassivos, mas para mim parece muita frieza de coração, não acha? É sobre a minha vida que eles estão falando de forma tão indiferente e não há nada de compaixão neste tipo de opinião. Minha mãe biológica está bem, a vida dela continuou e ela está se saindo muito bem, mas eu teria morrido e minha vida estaria acabada. A minha aparência não é a mesma de quando eu tinha quatro anos de idade ou quatro dias de vida, ainda no útero da minha mãe, mas ainda assim era inegavelmente eu e eu teria sido morta em um aborto brutal.
De acordo com a pesquisa do Dr. David Reardon, diretor do Instituto Elliot, co-editor do livro Vítimas e vitimados: falando sobre gravidez, aborto e crianças frutos de agressões sexuais, e autor do artigo “Estupro, incesto e aborto: olhando além dos mitos”, a maioria das mulheres que engravidam após uma agressão sexual não querem abortar e de fato ficam em pior estado depois de um aborto. http://www.afterabo rtion.org. Sendo assim, a opinião da maioria das pessoas sobre aborto em casos de estupro é fundamentada em falsas premissas: 1) a vítima de estupro quer abortar; 2) ela vai se sentir melhor depois do aborto; e 3) a vida daquela criança não vale o trabalho que dá para suportar uma gravidez. Eu espero que a minha história e as outras postadas neste site ajudem a acabar com este último mito.
Eu queria poder dizer que minha mãe biológica não queria me abortar, mas de fato ela foi convencida a não fazê-lo. Porém, o aspecto nojento e o palavreado sujo deste segundo aborteiro clandestino, além do receio por sua própria segurança, levaram-na a recuar. Quando ela lhe contou por telefone que não estava interessada neste acordo arriscado, este homem a insultou e a xingou. Para sua surpresa, ele ligou novamente no dia seguinte para tentar convencê-la a me abortar, e mais uma vez ela não quis prosseguir com o plano e ouviu mais uma série de insultos. Depois disso, ela simplesmente não podia mais prosseguir com essa idéia. Minha mãe biológica já estava entrando no segundo trimestre da gestação, quando seria muito mais perigoso e muito mais caro me abortar.
Sou muito grata por minha vida ter sido poupada, mas muitos cristãos bem intencionados me diziam coisas como “olha, Deus realmente quis que você nascesse!” e outros podem dizer “era mesmo pra você estar aqui”. Mas eu sei que Deus quer que toda criança tenha a mesma oportunidade de nascer e não posso me conformar e simplesmente dizer “bem, pelo menos a minha vida foi poupada”. Ou “eu mereci, veja o que eu fiz com a minha vida”. E as outras milhões de crianças não mereciam? Eu não consigo fazer isso. Você consegue? Você consegue simplesmente ficar aí e dizer “pelo menos eu fui desejado... pelo menos estou vivo...” ou simplesmente “sei lá”? Esse é realmente o tipo de pessoa que você quer ser? De coração frio? Uma aparência de compaixão por fora e coração de pedra e vazio por dentro? Você diz que se importa com os direitos das mulheres, mas não está nem aí pra mim porque eu sou um lembrete de algo que você prefere não encarar e que você detesta que outros se importem? Eu não me encaixo na sua agenda?
Na faculdade de direito eu tinha colegas que me diziam coisas como “se você tivesse sido abortada, não estaria aqui hoje e de qualquer forma não saberia a diferença, então por que se importa?”. Acredite ou não, alguns dos principais filósofos pró-aborto usam esse mesmo tipo de argumento: “O feto não sabe o que o atingiu, então não percebe que perdeu a vida”. Sendo assim, acho que se você esfaquear alguém pelas costas enquanto ele estiver dormindo, tudo bem, porque ele não sabe o que o atingiu?! Eu explicava aos meus colegas como a mesma lógica deles justificaria que eu “matasse você hoje, porque você não estaria aqui amanhã e não saberia a diferença de qualquer forma. Então, por que se importa?”. E eles ficavam com o queixo caído. É incrível o que um pouco de lógica pode fazer, quando você pára para pensar – que é o que devemos fazer numa faculdade de direito – e considera o que nós realmente estamos falando: há vidas que não estão aqui hoje porque foram abortadas. É como o velho ditado: “Se uma árvore cai na floresta e não há ninguém por perto para ouvir, será que faz barulho?”. Bem, sim! E se um bebê é abortado e ninguém fica sabendo, tem importância? A resposta é SIM! A vida dele importa. A minha vida importa. A sua vida importa e não deixe ninguém te dizer o contrário!
O mundo é um lugar diferente porque naquela época era ilegal a minha mãe me abortar. A sua vida é diferente porque ela não pôde me abortar legalmente e porque você está sentado aqui lendo as minhas palavras hoje! Mas você não tem que atrair platéias pra que a sua vida tenha importância. Há coisas que fazem falta a todos nós aqui hoje por causa das gerações que foram abortadas e isso importa.
Umas das melhores coisas que eu aprendi é que o estuprador NÃO é meu criador, como algumas pessoas queriam que eu acreditasse. Meu valor e identidade não são determinados por eu ser o “resultado de um estupro”, mas por ser uma filha de Deus. O Salmo 68, 5-6 declara: “Pai dos órfãos... no seu templo santo Deus habita. Dá o Senhor um lar ao sem-família”. E o Salmo 27, 10 nos diz: “Mesmo se pai e mãe me abandonassem, o Senhor me acolheria”. Eu sei que não há nenhum estigma em ser adotado. O Novo Testamento nos diz que é no espírito de adoção que nós somos chamados a ser filhos de Deus por Jesus Cristo nosso Senhor. Sendo assim, Ele deve ter pensado na adoção como símbolo do amor dEle por nós!
E o mais importante é que eu aprendi, poderei ensinar aos meus filhos e ensino aos outros que o seu valor não é medido pelas circunstâncias da sua concepção, seus pais, seus irmãos, seu parceiro, sua casa, suas roupas, sua aparência, seu QI, suas notas, seus índices, seu dinheiro, sua profissão, seus sucessos e fracassos ou pelas suas habilidades ou dificuldades. Essas são as mentiras que são perpetuadas na sociedade. De fato, muitos palestrantes motivacionais falam para suas platéias que se elas fizerem algo importante e atingirem certos padrões sociais, então elas também poderão “ser alguém”. Mas o fato é que ninguém conseguiria atingir todos esses padrões ridículos e muitas pessoas falhariam. Isso significa que elas não são “alguém” ou que elas são “ninguém”? A verdade é que você não tem que provar o seu valor a ninguém e se você quiser realmente saber qual é o seu valor, tudo o que precisa fazer é olhar para a Cruz, pois este é o preço que foi pago pela sua vida! Esse é o valor infinito que Deus colocou na sua vida! Para Ele você vale muito e para mim também. Que tal se juntar a mim para também proclamar o valor dos outros com palavras e ações?
Para aqueles que dizem “bem, eu não acredito em Deus e não acredito na Bíblia, então sou a favor da livre escolha de abortar ou não”, por favor, leia meu artigo “O direito da criança de não ser injustamente morta – uma abordagem da filosofia do direito”. Eu garanto que valerá o seu tempo.
Pela vida, Rebecca

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

TESTEMUNHO DO FREI RANIERO CANTALAMESSA

O batismo no Espírito Santo
Mas acaso o batismo no Espírito é o único meio de obter esse fervor e essa sóbria embriaguez do Espírito? Não bastam os meios comuns da graça — os sacramentos, a palavra de Deus? Com certeza, mas devemos estar atentos para não cair no mesmo erro dos escribas e dos fariseus. Eles diziam a Jesus: Há seis dias na semana para trabalhar; por que curas no sábado? Seria estranho que, sem perceber, che¬gássemos também nós a dizer a Jesus: Há sete sacramentos com os quais opera e santifica as pessoas; por que agir desse modo desco¬nhecido? A Igreja superou essa mentalidade quando em Lumen Gentium 12 incluiu a conhecida declaração:
"O Espírito Santo não só santifica; e dirige o Povo de Deus mediante os sacramentos, como também dis¬tribui graças especiais entre os fiéis de qualquer condição, distribuindo a cada um, de acordo com sua vontade, seus dons". Afirmou-se dessa maneira que há duas direções a partir das quais sopra o Espírito:

A partir do alto, através das vias institucionais e hierárquicas, e a partir de baixo, por assim dizer, de todo o corpo, com os dons que ele suscita livremente quando e onde quer.
Mas não gostaria de ser eu mesmo a limitar a liberdade do Espí¬rito, justamente quando procuro defendê-la. Portanto, respondo à pergunta que nos propusemos antes do seguinte modo: se por "batismo no Espírito" entendemos certo rito, realizado de determinada forma, em certo contexto e com certas conotações, não, sequer esse é o único meio de ter a experiência de Pentecostes hoje. Houve e há cristãos que tiveram a experiência de Deus, da visita forte do Espírito, sem saber o que é o batismo no Espírito.

Contudo, o batismo no Espírito revelou-se um poderoso meio de reavivar a vida espiritual de milhões de pessoas, uma autêntica "corrente de graça", como apreciava defini-lo o cardeal Suenens. Teremos, portanto, de pensar bem antes de chegar à conclusão de que não serve para nós ou de que podemos deixá-lo de lado. Eu estava a ponto de ser um desses e por isso gostaria de contar brevemente a minha experiência. Faço-o também por crer que já me formulei todas as objeções que costumam deter os sacerdotes a abrir-se a essa realidade.
Creio que minha pobre experiência poderia ajudar alguém, senão a outra coisa, pelo menos a não cometer os mesmos erros.

Sou um sacerdote capuchinho. Até a alguns anos, era professor de História das Origens Cristãs e Diretor do Departamento de Ciências Religiosas da Universidade Católica do Sagrado Coração de Milão. Tratava-se de um serviço bom para a Igreja e para a pesquisa – pelo menos assim me asseguravam os meus superiores. Eu, todavia não estava satisfeito e sentia vagamente a necessidade de uma mudança radical. Jesus queria ter uma participação maior em minha vida; não lhe bastava "aquele conhecimento impessoal", do qual já lhes falei antes. Mas eu sentia, ao mesmo tempo, que nunca teria a força para realizar uma mudança desse tipo.

Em 1974, comecei a ouvir falar da Renovação Carismática; eu disse à pessoa que me falou que não fosse mais àquele lugar. Depois me aproximei um pouco mais dessa realidade, especialmente porque as pessoas, em lugar de ofender-se com as minhas críticas, pareciam amar-me então ainda mais e me exortavam a dar-lhes ensinamentos. Algumas coisas que eu via me fascinavam, porque, com base na minha especialização, reconhecia sem dificuldade que eram idênticas às que ocorriam nas primeiras comunidades cristãs. Já outras coisas (falar em línguas, profetizar) me incomodavam, e eu as recusava.

Por fim, em 1977, uma pessoa de Milão ofereceu alguns convites para ir aos Estados Unidos participar de uma grande reunião carismática ecumênica em Kansas City. E eu, que na época precisava ir aos Estados Unidos, aceitei um. Aquilo que eu via em Kansas City era claramente uma profecia para a Igreja. Quarenta mil cristãos — a metade formada por católicos, a outra, por pessoas de outras confissões — reunidos à tarde no estádio para orar juntos e escutar a palavra de Deus. Certa tarde houve uma profecia. Dizia: "Chorai, lamentai-vos, porque o corpo do meu Filho está destroçado! Vós, leigos, vós, sacerdotes, vós, bispos: chorai e lamentai-vos porque o corpo do meu Filho está destroçado!" Um depois do outro, todos no estádio caíram de joelhos soluçando, e isso acontecia enquanto uma mensagem luminosa se projetava contra o céu escuro em toda a extensão do estádio: "JESUS IS LORD!" "JESUS É O SENHOR!" Parecia uma profecia da Igreja do futuro, a Igreja que todos esperamos, onde os fiéis se reúnam no arrependimento, sob o domínio soberano de Cristo.

E, imaginem vocês, tudo isso não bastou. Eu continuava observando todas essas coisas de fora, dizendo dentro de mim: isto sim, isto não. Uma palavra de Jesus ainda continuava ressoando em meu coração, e eu não conseguia afastá-la da mente: "Ditosos os olhos que vêm o que vedes; ditosos os ouvidos que escutam o que escutais!" Cantava-se uma vez o canto que narra a história de Jericó que cai, com o estribilho que repetia: Jerico must fall, Jericó deve cair. Os companhei­ros que tinham viajado comigo da Itália cutucavam-me dizendo: "Es­cute bem, porque você é Jericó!"

De Kansas City fomos a uma comunidade carismática de Nova Jersey onde ocorria uma semana de retiro sobre a Trindade. Eu procu­rava separar-me do grupo para ir ao meu convento de capuchinhos. Mas um sacerdote muito caridoso insistia comigo: fique mais esta se­mana conosco. Lembro que no final eu disse a mim mesmo: "Mas esta não é uma casa de perdição, é uma casa de retiros; certamente não me fará mal ficar. Pois bem, fico!" Era isso o que o Senhor queria. (É comovedor ver como se contenta com pouco.)

E aqui se situaram as objeções das quais falei antes, objeções que tive de superar uma a uma. Dizia-me a mim mesmo: mas se sou filho de São Francisco, possuo uma magnífica espiritualidade, tantos san­tos... O que estou buscando entre estes irmãos, o que eles podem me oferecer de novo? Enquanto ponderava dessa maneira, no fundo da sala (era um encontro de oração) uma irmã abriu a Bíblia e começou a ler. E qual era a leitura? A passagem em que João Batista diz aos fariseus: "Não digais em vosso coração: somos filhos de Abraão, somos filhos de Abraão!" Entendi que se dirigia a mim e mudei minha oraição ao Senhor. Passei a dizer: Senhor, não digo mais que sou filho de São Francisco, mas peço-te que me faças com o teu Espírito realmente filho de São Francisco, porque até agora não o fui.

Mas nem tudo terminava aí (eu disse a vocês que me defendi com todas as forças). Mas se eu — dizia-me a mim mesmo — sou um sacerdote ordenado pelo bispo, recebi o Espírito Santo. Por que devo ajoelhar-me diante dos irmãos, inclusive leigos, e aceitar que orem por mim? Dessa vez, a resposta chegou a mim diretamente, com uma simples reflexão teológica. Pareceu-me ouvir a própria voz de Jesus falando-me: "E eu então? Vindo ao mundo, não tinha sido consagrado pelo próprio Pai? Acaso não possuía eu a plenitude do Espírito desde a minha encarnação? E, não obstante, aceitei ser batizado porJoão Batista— que também era um leigo! —, e o Pai me deu uma nova plenitude de Espírito para a minha missão, por vós". Então eu disse como Jó: Falei uma vez, e não o repetirei. Ponho a mão sobre a boca. Batiza-me, Senhor, com o teu Espírito...

Enquanto me preparava para receber o batismo no Espírito com uma boa confissão geral, recordando toda a minha vida, eu me via como um cocheiro que, com as rédeas na mão, tinha tentado dirigir a carroça como queria: às vezes lento, outras vezes veloz, agora à direita, depois à esquerda. Mas sem resultado. Nesse momento, foi como se Jesus se sentasse junto a mim (não pensem em nada de extraordinário, visões ou coisas parecidas; eram como simples flashs, imagens interiores bastante comuns) e me dissesse: “Queres dar-me as rédeas da tua Vida?"
Muitos dos que tiveram a experiência do batismo no Espírito ressaltam este fato: o que decide tudo é um ato total de abandono à vontade de Deus, um render-se e entregar-se a ele sem reservas, dar-Ihe as rédeas da nossa vida. Um dos que participaram do primeiro retiro carismático em 1967 resume assim o acontecimento: "Nós nos entregamos completamente a Jesus, e Jesus nos entregou o seu Espírito".

Durante a oração dos irmãos pela efusão do Espírito, no momento em que me exortavam a escolher de novo Jesus como Senhor da minha vida, recordo que ergui os olhos, que foram pousar no crucifixo que estava sobre o altar. Era como se ele esperasse o meu olhar para dizer-me: Atenção, não te enganes, Raniero, este é o Jesus que escolhes como teu Senhor, não outro, não um Jesus fácil ou cor-de-rosa. Compreendi que a Renovação no Espírito é uma coisa diferente de um acontecimento formado de emoções ou de entusiasmos superficiais; ela leva diretamente ao cerne do Evangelho.

Não ocorreu nada de espetacular. Só que, uma vez chegando ao convento ao qual fora destinado, percebi que algo estava mudando: minha oração. De regresso à Itália, vocês podem imaginar a felicidade dos irmãos. Eles diziam: Enviamos à América Saulo e nos devolveram Paulo!
Depois de pouco tempo, teve lugar o fato que mudou a minha vida e que atribuo à graça do batismo no Espírito. Um dia, enquanto estava orando em meu quarto, tive outra daquelas imagens interiores, possíveis sugeridas pelo versículo bíblico sobre o qual estava refletindo. Era como se Jesus passasse diante de mim com a mesma atitude que tinha quando, regressando do Jordão, se dispunha a dar início à sua pregação. Ele dizia: “Se queres vir ajudar-me a proclamar o reino de Deus, deixa tudo e vem!" (Vocês já sabem, portanto, de onde se originou este retiro e por que é tão especial para mim esse momento da vida de Cristo.) "Deixa tudo" significava: o ensino na universidade, tudo o que fizeste até agora. Por um momento, tive medo de não estar preparado, porque aquele Jesus parecia decidido e tinha pressa; exortava mas não se detinha.
Mas percebi que em meu coração havia já um sim pacífico, seguro, posto ali — estou persuadido disso — pela graça de Deus. Levantei-me como um homem diferente do que aquele que começara a orar. Dirigi-me ao meu superior geral para comunicar-lhe a minha inspiração, e foi nesse momento que descobri que grande dom é para nós, os católicos, e para nós, os religiosos e sacerdotes, o fato de ter uma autoridade, o fato de possuir esses representantes de Deus na terra. Só assim pude estar certo de que se tratava realmente da vontade de Deus, e não de uma suposta inspiração minha. Meu superior me disse que esperasse um ano; passado este, concordou ser de fato um chamado de Deus e me deu sua bênção para eu começar a ser pregador itinerante do Evangelho, à feição de São Francisco de Assis.

Ainda não se tinham passado três meses quando chegou a mim, de Roma, a notícia de que o Papa me nomeara Pregador da Casa Pontifícia, cargo que ocupo há 12 anos. Para dizer a verdade, é ele, o Santo Padre, quem me prega a mim, com sua humildade, encontrando o tempo necessário, todas as sextas-feiras pela manhã, no Advento e na Quaresma, para vir escutar a palavra de um simples sacerdote da Igreja.

Foi assim que desejei, tal como São Paulo, "dar testemunho da graça de Deus", porque é certo ser tudo pura graça de Deus. Eu fiz para que, assim, minhas graças subam a Deus, multiplicadas pelas graças de todos vocês. Chegamos então ao final do nosso retiro. Quero compartilhar com vocês uma recordação pessoal, uma última palavra de Deus. No dia em que meu superior geral me deu permissão para abandonar o ensino universitário e dedicar-me em tempo integral à pregação do reino, havia, no ofício de leitura, uma passagem do profeta Ageu. Deus disse ao sumo sacerdote e a todo o povo quando estes começaram a reconstruir o templo: "Mas agora tem ânimo, Zorobabel, oráculo de lahweh; ânimo, Josué, filho de Josedec, sumo sacerdote, ânimo, povo toda da terra, oráculo de lahweh! Trabalhai, porque eu estou convosco... e entre vós permanece o meu Espírito!" (Ag 2,4-5)

Era um chuvoso dia de outono, e a Praça de São Pedro, para onde eu fora a fim de orar ao Apóstolo, estava deserta. Senti de repente o impulso de levantar os olhos para a janela do Santo Padre e comecei a dizer alto (não havia ninguém por perto): "Ânimo, João Paulo II, sumo sacerdote, ânimo, povo todo da terra, e trabalhai, porque — diz o Senhor — eu estou convosco!"
Mas nem tudo terminou aí. Três meses depois, como eu disse, fui nomeado Pregador da Casa Pontifícia e quando me encontrei pela primeira vez na presença do Papa, não pude senão recordar aquele acontecimento. Compartilhei-o com todos e repeti as palavras ditas. Desde aquele dia, tenho repetido com freqüência as palavras do profeta, em minhas viagens pelo mundo, sobretudo quando tenho de falar a sacerdotes ou a bispos. Tenho hoje a felicidade de dizê-las aqui a vocês: "Ânimo, bispos da América Latina, ânimo, sacerdotes, ânimo, povo todo desta terra, e trabalhai, porque eu estou convosco, disse o Senhor. Meu Espírito está convosco!"